sábado, 28 de junho de 2008

Crónica de um jovem ingénuo



Minha Luanda das makas (1) grandes, onde até os cientistas socais são ultrapassados pelos insólitos casos, mas eu nascido nesta terra, onde todos somos cientistas, venho por este meio relatar um mujimbo (2). Após uns dias de ter aterrado na minha apaixonante Luanda, deparei-me com um facto deveras intrigante, vendedoras ambulantes transformadas em atletas de alta competição, já viram como a minha terra está, até as vendedoras querem chegar aos Jogos Olímpicos. Querem saber as razões? Espera tenham calma, como excelente especialista na matéria devo realizar o devido enquadramento dos factos, não acham o mesmo?
Eu, especialista das makas luandenses e dotado dos valores racionalistas e humanistas europeus, temos que falar destes valores cujos europeus se orgulham tanto, estava preparado para enfrentar todos os obstáculos desta mirabolante estória.
Continuando, todos os dias colocava minha cadeira no meio do quintal para observar as corridas. Farto da situação estranha perguntei à minha querida mãe, mesmo querida enfatizo para não haver dúvida na qualidade da minha kota, sobre as corridas em frente à nossa casa. Ela explicou-me que o governo de Luanda proibiu a venda fora das praças, por isso os polícias estavam em constante vigia. Puxa! A senhora minha mãe estava numa visão racionalista! Eu coloquei-me na posição das vendedoras. Olha agora os burgueses fazem leis para tentar asfixiar as classes populares, como belo marxista pensei na luta de classes subjacente a esta realidade, pela primeira vez estava a presenciar a resistência da classe oprimida, já imaginaram este facto?
Tenho a certeza que não é só por estas bandas que acontecem fenómenos deste tipo. Agora não havia dúvida, as senhoras estavam a ser obrigadas a praticar desporto, talvez o estado angolano tenha pretensão de seleccionar umas para os jogos internacionais, ou já estava a prevenir a obesidade, os kotas no parlamento mandam visão. Não pensem que me deixo levar por estas justificações baratas! Estas senhoras têm razão, devem continuar a lutar pelos seus problemas e aproveitar a oferta que os governantes lhes concedem, a de competir em grandes eventos. Aqui o racional cruza-se com o improvável, por isso nada de especular a actuação dos puros mangas (3).
Meus queridos leitores estavam à espera de um desfecho, claro que não porque o cronista procura o prisma do insólito, como a própria estória contada.

1 problemas
2 boato
3 patrão
Único

domingo, 22 de junho de 2008

Corpos desalmados

Ontem vos vi sobre as minhas ruas, becos e esquinas a venderem as vossas almas, perguntei-me se era o único que vos via, talvez por pura ingenuidade ou talvez por pensar numa temática banal da Lisboa dos nossos dias. Todos sabemos onde vocês ficam, param, vendem, prostituem, talvez numa linguagem mais rude seria mais fácil expressar o vosso emprego, mas que emprego, se a sociedade olha para as vossas vidas de forma cínica, preconceituosa, desrespeitadora, e ignorante.Elas também vendem prazeres para eles e elas, mas eles ou elas pagam com desprezo e frieza sobre as suas condições de vida, criando um pacto de ignorância entre nós e o Estado, talvez sejamos todos cínicos face à nossa realidade, ou talvez prefiramos ignorar a nossa consciência.Eu, Lisboa uma pessoa uma cidade, sei que vocês sabem como é que elas vivem, porque procuram nos seus corpos prazeres onde não há prazer, satisfação sexual onde não existe satisfação, no final pagam o vosso esquecimento. Pergunto-me como podemos procurar desejos em corpos frios, humilhados, explorados, pela vaidade do mundo consumista, onde a exploração é um imperativo categórico da minha Lisboa, porque eu sei que tu sabes onde elas param, eu sei que nós sabemos porque algumas vendem as suas almas.

Único

Prisioneiros de Lisboa


Quando os sons se vão e o silêncio impera, eu, Lisboa, escura pela luz que se vai e aquela que vem, sou tomada pelos meus prisioneiros que emergem das minhas sombras, ocupando cada metro de mim, sendo ruas vazias, becos sombrios e ruelas estreitas. Cada prisioneiro meu é um rosto, uma vida e uma história, alguns são obscuros e duros, e outros mais frios que a frieza, por causa das suas vidas desfeitas ou pelas vicissitudes do viver. Hoje sou cidade e metropolitana, porque suporto a mendicidade, a prostituição e toxicodependentes como situações normais. Alguns dizem que eles têm direito aos becos, às ruelas e aos cantos. Também podem vender os seus corpos nas minhas afamadas avenidas, enquanto os cantos e becos podem servir como salas de chutos. E eu, Lisboa, uma pessoa e uma cidade, sou culpada sem culpa, por ser este palco para a degradação de algumas vidas, apenas sei acolher sem perguntar os porquês e as razões. Mas sou lar dos sem abrigo, posto de prostitutas e sala para os toxicodependentes. Eu não sei ser outra prisão, onde todos são livres e acorrentados pelos desejos, prazeres, vícios e necessidades.
Único